Quem sou eu

Minha foto
Doutorando em Psicologia da Educação pela PUC/SP.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Formação docente: O que nos aponta Francisco Imbernón.

Apreciação comentada do livro "Formação Docente e Profissinal: Formar-se para a mudança e a incerteza" de Francisco Imbernón
Por Cristovam da Silva Alves

Os novos tempos, marcados sobremaneira pela necessária renovação da instituição educativa, exigem redefinição consenciosa da profissão docente, o que implica novas demandas a seus membros. Neste percurso, há que se considerar os antigos problemas postos ao processo de profissionalização de seus integrantes, dentre eles, a posição histórica da docência como profissão de mulheres, a genericidade que paira sobre a mesma descaracterizando-a como ofício, a resistência que a sociedade oferece à reivindicação do controle profissional das escolas. Tais problemas situam a docência como profissão de meio termo, como uma semiprofissão.
A docência nos dias contemporâneos não é mais uma profissão com função de transmissão de conhecimentos como fora antes. A docência hoje se da na relação, na interação, na convivência, na cultura do contexto, na heterogenidade social dos sujeitos envolvidos no processo (discente, docentes, comunidade, especialistas). Do professor, hoje se exige posturas, comportamentos e destrezas diferenciadas: uma nova competência contemporânea para animar, mediar, informar, formar e transformar.
Nessa perspectiva, os professores devem acessar uma formação que lhes proporcione o exercício da reflexão coletiva, uma reflexão que possibilite aos mesmos uma efetiva participação na análise, na compreensão e na proposição do conteúdo e do processo de seu trabalho. Uma reflexão crítica e fundada que os dote da capacidade de enfrentamento da convivência em tempos de mudança e de incertezas.

A profissionalização dos professores, necessária como processo qualificador para atuação efetiva e de qualidade em contexto sócio-culturais e econômicos heterogêneos e em constante mudança, tem no exercício da inovação um de seus elementos propulsores. Inovar no sentido de refletir sobre a ação, analisando-a para propor-lhe alterações. Um inovar centrado na ação coletiva capaz de comprometer a todos com o seu processo de projetar, desenvolver e avaliar, corrigindo desvios e disseminando os acertos. Uma inovação cujo processo resulte na produção de conhecimento, de saberes pedagógicos. Produção de saberes que desviem esses profissionais da posição histórico social de executores, transmissores, para o papel de sujeitos autores do saber, do conhecimento, da posição de coadjuvante para a de protagonista.

O profissionalismo é aqui entendido como característica e capacidade específica da profissão. A profissionalização como processo socializador da aquisição dessa característica e, o profissional como sujeito que domina um conjunto de capacidades e habilidades especializadas que o faz competente em certo trabalho.
A docência, segundo Imbernón, só poderá ser vista como uma profissão se seu exercício e os conhecimentos dela derivados estiverem a serviço da mudança e da dignificação da pessoa, em razão da especificidade da sua natureza.

O conhecimento do profissional docente está intimamente relacionado à natureza interativa dessa profissão. Ela é uma profissão eminentemente social. Esse conhecimento profissional se constrói ao longo do processo de formação e, deve permitir a esse profissional emitir juízos, decidir frente a situações, muitas vezes impares.
Esse conhecimento se faz da reunião e interação de outros saberes e, na sua consecução contribuem os conhecimentos pedagógicos, o conhecimento curricular, disciplinar e, os conhecimentos adquiridos pelos próprios profissionais no decurso de sua prática, o conhecimento experiencial (Tardif, 2003). É, pois a experiência o fio condutor e integrador do conjunto de conhecimentos que o profissional docente teve acesso em seu percurso formativo.
Considerando-se a importância para o fortalecimento da profissão docente a assunção pelos seus sujeitos da produção de seu próprio saber, o papel de autoria, abandonando a posição histórica de consumidores e transmissores de conhecimentos produzidos em outras esferas, adquire potencial para transformar a qualidade da educação e incrementar a profissionalidade de seus membros. Os coletivos de professores assumem papel fundamental quando toma para si a responsabilidade pela análise crítica e reflexiva de sua própria produção, perpassando-a pelos demais pressupostos teóricos gerados em outros campos do saber. Assumir coletivamente esse papel significa avançar frente aos processos de profissionalidade, tão cara a qualquer profissão.

Imbernón propõe a discussão sobre a profissão docente frente aos novos tempos – globalização, mundialização, sociedade do conhecimento e da informação – a partir de três idéias fundamentais, quais sejam a existência ou não de um conhecimento autônomo do professorado; a imutabilidade do conhecimento escolar frente aos diversos campos do saber nos dias atuais e, o avanço da profissão docente no campo das idéias e das palavras que não no das práticas alternativas de organização.
A existência de um corpo de conhecimento autônomo e próprio da docência é um tema polêmico não só entre os próprios professores como entre os demais sujeitos sociais. Por lidar com saberes gerados por outras áreas, principalmente no que diz respeito à função de atualização científica, utilizando-se de conhecimentos metodológicos e didáticos produzidos pela psicologia, sociologia, filosofia, a docência opera, perante a sociedade, como um trabalho no qual a técnica se sobrepõe e, quando muito, pode ser mesclada com a criatividade. Os saberes experienciais (Tardif, 2003) produzidos pelos docentes perante situações às quais os demais saberes pedagógicos gerados pelas ciências ligadas a educação não deram conta, em razão de sua circulação restrita entre poucos profissionais ou, pelo seu frequente fechamento no nível individual, não são divulgados e consequentemente, não desfrutam da publicidade.
Por outro lado, o conhecimento escolar e a cultura que caracteriza esse ambiente, erigem em torno do conhecimento ai trabalhado uma couraça dificultadora de incorporações, de reformulações ou de transformações, levando a existência de um corpo de saberes e de uma linguagem exclusiva desse ambiente, apartada das linguagens e das dinâmicas da vida social. Tal característica trava a mutabilidade do conhecimento incorporado as práticas escolares, tornando a instituição e os saberes de seus profissionais descontextualizados e, e no mais das vezes, desvalorizados.
Outra característica presente na profissão docente, principalmente na dimensão comunicativa desta para com seus próprios membros e para com a sociedade, está no conteúdo e na forma do discurso utilizado. Toma para si um corpo de idéias e de pressupostos que sob um exame mais detalhado, mostra-se ausente nas práticas efetivas. O discurso educativo se apropriou de uma linguagem centrada nas tendências teóricas e nas idéias em moda, sem, contudo incorporar tais concepções em sua práxis efetiva.

O desenvolvimento profissional do professor é um processo multifacetário para o qual concorre a formação, a retribuição, a hierarquia, o clima de trabalho, a cultura organizacional, as interações entre os pares, com alunos, comunidade e equipes diretivas, entre outros. Esse complexo conjunto de fatores interligados vão determinar ou impedir o progresso profissional do professor(a) (Imbernón, 2004).
Esse desenvolvimento profissional precisa considerar o indivíduo, mas também não pode perder de vista a dimensão coletiva da categoria. Essa dimensão, cujo desenvolvimento conjunto tem o potencial de agregar e integrar fatores e processos que ao serem implementados melhoram as condições de trabalho, desenvolvem conhecimento, atitudes e habilidades, resulta no desenvolvimento da instituição e de seu pessoal.

A formação permanente do professor deve ser considerada como possibilidade de reflexão prático-teórica, como troca de experiências entre iguais, como articulação com projetos de trabalho, como estímulo crítico ao enfrentamento dos problemas da profissão, como processo de inovação institucional.
A formação como processo de reflexão estende-se ao terreno das capacidades, das habilidades e atitudes para questionar, de modo permanente, os valores e as concepções de cada professor(a). Seu exercício mexe com a dimensão pessoal de cada sujeito, com suas particularidades, com seus anseios, com seus medos, com suas deficiências e, tê-la exposta ao coletivo requer um doloroso exercício de abertura e, consequentemente, a aquisição de um conjunto complexo de tolerância a esse tipo de investida. Não é, pois, tarefa simples e, nem todos os sujeitos envolvidos se encontram em condições de viverem o processo. A sistematicidade de experimentação desse processo pessoalmente ou, vivida por meio da observação do outro, possibilita aos poucos a aquisição de um estado psicológico para se predispor a ter sua pratica e suas concepções questionadas, em razão desse sujeito ter construído as condições subjetivas para defender posições ou ter abertura para aceitar suas inadequações.
Passa-se do conceito de formação como “[...] atualização científica, didática e psicopedagógica do professor para adotar um conceito de formação que consiste em descobrir, organizar, fundamentar, revisar e construir a teoria” (Imbernón, 204, p.49).
A formação permanente deve ter no contexto seu marco preferencial de conteúdo. Ela, necessariamente, precisa se afastar das orientações de fundo instrumental ou técnico, no qual, procedimentos formulados por especialistas e assessores são oferecidos aos professores. Também não pode focar de modo predominante as práticas de bons professores utilizando seus modos de ação, como se o mesmo pudesse ser aplicado a qualquer contexto, desconsiderando a cultura, a história, condições econômicas que os particulariza. A formação com enfoque na racionalidade instrumental e na racionalidade prática (Medeiros, 2005. Pereira, 2002), impõe ao professor o papel de reprodutor transmissor de saberes e técnicas formuladas exteriormente a seus contextos. Ela é uma formação alienante que desmotiva e, em muitas ocasiões provoca no próprio professor a assunção da responsabilidade pelo fracasso, pelo malogro do sistema educacional.
Os processos de formação continuada e de formação inicial, pelo que aponta estudos das ultimas décadas, deve voltar-se para a racionalidade crítica (Medeiros, 2005; Pereira, 2002, Imbernón, 2004; Habermas, 1987) que se utilize do contexto e do local de trabalho para, num exercício de reflexão coletiva e de pesquisa ação colaborativa, produza os saberes necessários a superação dos problemas que afetam o trabalho e a prática docente.

A formação inicial do professor, segundo Imbernón (2004, p. 65) é mais do que “[...] aprender um ofício no qual predominam estereótipos técnicos, e sim de aprender os fundamentos de uma profissão, o que significa saber que se realizam determinadas ações ou se adotam algumas atitudes, concretas, e quando e porque será necessário fazê-lo de outro modo”. Essa aprendizagem profissional nada mais é que a iniciação sociológica à profissão, a qual não pode prescindir da utilização da análise criteriosa dos problemas concretos que os professores reais vivem nos seus contextos de trabalho. A atividade real dos professores, em toda sua complexidade, deve se constituir em conteúdo de ensino principalmente na formação inicial.
A formação inicial deve oferecer as bases para a construção do conhecimento pedagógico especializado de uso restrito do professor. O seu caráter de socialização profissional inicial deve abandonar a fundamentação em modelos de perspectiva técnico-instrumental e se apoiar numa perspectiva crítico reflexiva.
A formação inicial, para além do provimento da sólida base de conhecimentos científicos e cultural, precisa também prover o futuro professor(a) para o enfrentamento da complexidade do ambiente escolar e dos sistemas educativos, o que se opera por meio da observação do dia a dia da cultura escolar, da dinâmica da categoria e de seus movimentos corporativos, assim como da sua militância política.

A formação permanente dos professores experientes deve, para além da atualização científica, pedagógica e cultural, se ocupar da “[...] teoria para organizá-la, fundamentá-la, revisá-la ou combatê-la se preciso for” (Imbernón, 2004, p.69).
A formação permanente tem como papel, oferecer ao professor a possibilidade de discutir, refletir e propor conhecimentos no âmbito da moral e da ética, e possibilitar ao profissional o desenvolvimento do conjunto de condições necessárias para que os mesmos assumam a proposição de inovações frente aos problemas que o contexto impõe ao sistema educativo e a seus agentes.

A pesquisa colaborativa, ou a pesquisa ação, ao se realizar no contexto particular do local de trabalho do professor, se reveste de importância na formação permanente do docente, uma vez que o coloca na posição de protagonista da busca de solução aos problemas que os mesmos enfrentam na execução de suas práticas. Essa pesquisa, pela sua natureza colaborativa, oferece condições para uma reflexão conjunta e negociada na qual, o exercício da argumentação e, consequentemente de uma razão comunicativa (Habermas, 1987) se impõe.
Esse modelo de formação considera o potencial formativo do coletivo profissional ao enfrentarem juntos os principais problemas que afetam a prática educativa no que concerne ao eixo ensino aprendizagem.


A pesquisa ação ou pesquisa colaborativa coloca o interior da escola como local privilegiado da formação permanente. Contudo, apesar de constituir em lócus privilegiado da formação, há que cuidar para não eliminar outras possibilidades e outros contextos (Fusari, 1997). Cursos, congresso, seminários, encontros, possibilitam ao professor discutir e atualizar sua prática, perpassá-la pela teoria, ressignificá-la. Permite sua atualização científica e cultural. No entanto, a inovação pedagógica tem na formação no interior da escola sua maior fecundidade, visto ser esse lócus o possibilitador de agregar à formação os benefícios da colegialidade, do compromisso de todos os envolvidos, potencializado quando da oferta de um clima organizacional favorecedor por parte da instituição.

A assessoria de formação se constitui em possibilidade de formação permanente, segundo Imbernón, caso consista numa parceria que considere as demandas locais dos professores e os potencialize como sujeitos e autores dos percursos formativos, estimulando-os a diagnosticarem suas carências conceituais, técnicas e metodológicas. Não é de bom tom que os assessores de formação volte o trabalho para a oferta de repertórios, de embasamento teórico e de novas metodologias aos docentes. É comum a resistência dos professores a esse tipo de ingerência externa.
O papel da assessoria de formação agregará êxito na medida do envolvimento do assessor como um parceiro dos professores, como alguém interessado nas suas dúvidas, anseios e eventuais problemas. Um ator externo que pelo diálogo, experiência, conhecimento e habilidade interativa, se envolva no contexto a ponto de mediar ações de diagnóstico, análise, planificação e implementação de processos de inovação dos professores frente a problemas específicos da prática educativa. O assessor é um animador, um energisador do coletivo, um estimulador de lideranças, um catalisador das condições institucionais para fomentar as transformações possíveis.

O debate sobre qualidade de ensino, desde que considere a relatividade desse conceito, precisa estar presente na formação do professor, seja ela inicial ou permanente.
Toda formação só tem razão de ser se estiver focada na melhoria da qualidade de ensino via melhoria e aprimoramento profissional da categoria. Nossos problemas de formação de professores – inadequação da formação inicial que não responde às necessidades dos sistemas de ensino em constantes mudanças e, da formação permanente que, está mais voltada a correção das distorções da formação inicial que, da necessária revisão das teorias, concepções e atualização científica cultural e pedagógica dos docentes – ajudam a aprofundar o fosso da inadequação da educação que ofertamos a população, especialmente a esmagadora maioria que constitui as classes populares.
A formação de professores deve se encarregar da preparação de profissionais que saibam atuar nos distintos contextos, tratando no interior da escola as questões da vida social tal qual se oferecem na realidade, preparando pessoas humanas para uma sociedade humana na qual, a ética seja a ferramenta das interações e, que o conhecimento científico, cultural, social e filosófico possa ser apropriado pelos humanos para prestar-lhe a atuação digna, respeitosa e autônoma na vida social. É nesse sentido que a qualidade deve ser almejada nos processos de formação.

Por fim, a burocratização dos sistemas de ensino e a tendência intervencionista que neles se propagam, cerceiam a autonomia dos professores quanto as decisões sobre o conteúdo e seus processos de trabalho. Essa tendência, para além de seus aspectos alienantes, reduzem drasticamente a autonomia da categoria. Sem poder de decisão sobre seu trabalho, vivem o processo de desprofissionalização marcado pela proletarização, baixa retribuição, perda de prestigio social, dificuldades em construir um estatuto profissional e, a vivência de crises identitárias.
Como possibilidade ao processo de profissionalidade aponta-se o engajamento desses profissionais em causas sociais e profissionais. Também a busca de autonomia no coletivo realizada por meio de processos de formação articulados pelo próprio grupo.
O grupo profissional deve assumir para si atribuições que lhes são próprias, como a defesa de seus interesses políticos, construção de um estatuto profissional, exercerem influencia na formulação de políticas educacionais, no empenho na reconstrução de uma nova representação social da profissão. São esses atributos que não devemos delegar a outros agentes sociais que não os próprios professores.






IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente e Profissional: Formar-se para a mudança e a incerteza. 4ª edição. São Paulo: Cortez, 2004.

A profissão docente: Sua configuração social e o trabalho na Educação Infantil

Cristovam da S. Alves
Ms em Educação pela PUC/SP e doutorando no Programa Pós Graduado em Psicologia da Educação na PUC/SP.
27/08/2010

O conceito de profissão refere a uma determinada ocupação cujo desempenho está restrito a um grupo social específico. Caracteriza-se pela prestação de um serviço que requer um corpo de saberes e uma especificidade de ação que apenas esse grupo social possui.
A profissão está relacionada diretamente a figura do profissional. O profissional é o sujeito que se submeteu a um processo de formação, geralmente no Ensino Superior. Que possui um diploma (autorização formal para o exercício da atividade) e detém um mandato (autorização social para o desempenho de suas funções) (MELLOUKI e GAUTHIER, 2004). Este profissional está credenciado pelo diploma e pelo mandato a desempenhar um conjunto de atividades, relacionadas com uma determinada função necessária para a vida social.
O médico, o engenheiro, o dentista e o advogado são exemplo de profissionais visto a medicina, engenharia, odontologia e advocacia serem profissões reconhecidas socialmente e cujo desempenho está restrito aos sujeitos devidamente autorizados. Contudo, não são todas as ocupações que conquistaram socialmente a qualificação de profissão. Esse processo, requer às vezes, um árduo caminho.
O magistério é uma ocupação moderna (porque surgiu como ocupação formal em meados do século XVIII) e portanto, está vivendo o processo social de transformação em profissão. Ora se aproxima desse estatuto, ora se afasta. Segundo alguns estudiosos, o magistério é uma semiprofissão.
Quais seriam as razões para essa classificação do magistério no campo da socialização das profissões?
O trabalho da professora e do professor é tido pela população, em geral (senso comum), como um trabalho que qualquer um pode fazer. Segundo Roldão (2005), na crendice popular, para saber ensinar, basta ter o conhecimento e conseguir controlar os alunos.
Quando uma ocupação pode ser desempenhada por qualquer um, logo, carece de reconhecimento social. Sem reconhecimento, seu desempenho é desvalorizado. Esta é uma das razões da falta de prestigio da profissão docente.
Outro aspecto que enfraquece a docência como profissão é o fato de ser uma ocupação sócio-prática, isto é, uma profissão em que a prática veio antes da produção de conhecimentos sobre ela. Para o senso comum, o professor é um prático. Não precisa de saberes específicos para desempenhar o seu trabalho. Para agravar a situação, nem os professores tem clareza dos saberes específicos necessários ao desempenho de seu trabalho.
Contribui ainda nesse cenário, a heterogeneidade do professorado (GATTI, 1996). Os professores são heterogêneos quanto ao nível de atuação, formação, origem social, domínio cultural, crenças e perspectivas de carreira. Se não bastassem esses aspectos, a maioria esmagadora trabalha para o Estado. São funcionários. O Estado é um patrão controlador e burocrático por princípio. Esse quadro de controle do Estado sobre a educação diminui a autonomia e o poder do professor.
Sem clareza nos saberes que usa para desempenhar o seu trabalho, com pouca autonomia e pouco poder para decidir sobre o conteúdo e a forma daquilo que faz, o resultado é a desvalorização.
Como mudar o rumo das coisas?
Para António Nóvoa (2009) existem boas perspectivas para, no decurso de um tempo não tão longo, alterar os rumos dessa história. Entre suas premonições, vale destacar:
·    Trazer a formação dos professores para dentro da profissão – isto significa aproveitar professores bem sucedido como colaboradores da formação inicial dos futuros docentes. Implica em discutir casos de ensino na formação, incluindo os futuros professores na realidade das escolas em que atuarão.
·    A profissão docente deve pensar novos modos de organização – o professor precisa deixar o isolamento no qual desenvolve o seu trabalho. Uma nova colegialidade deve ser constituída. Segundo Roldão (2005), pouca serventia tem para a profissão o isolamento no interior da sala de aula. Estar fechado para o público antes de ser uma forma de proteção, pode sim, significar um isolamento em que o trabalho deixa de ser compartilhado, discutido, analisado e divulgado
·    Desenvolver a dimensão pessoal e pública da profissão – o professor precisa se comunicar com a sociedade e assumir o discurso sobre educação, inclusive o discurso político. É preciso ainda prestar conta do que faz, deixar o trabalho docente mais transparente.
·    Centrar a escola no processo de aprendizagem – isso significa levar a escola e o trabalho docente para a sua finalidade primeira, qual seja, retomar o binômio ensino e aprendizagem, retirando da escola e dos ombros dos professores as obrigações sociais.
Incluo aos apontamentos de António Nóvoa a responsabilidade que o professor deve ter para com sua própria valorização. O professor não pode assumir o discurso da desvalorização de sua ocupação, como se fosse vergonhosa a opção profissional que fez. O professor é sim, um profissional necessário e, se assim não o fosse, como explicar pertencer a uma das maiores categorias profissionais? Por que o professor ocupa atualmente o centro do debate sobre possibilidade de alteração das perspectivas sociais dos diferentes países?
A valorização da profissão docente passa pelos professores. O exercício dessa profissão exige sim sólidos conhecimentos. O professor deve dominar os conhecimentos científicos da área ou disciplina que ensina. Ele precisa ter o conhecimento pedagógico do conteúdo e o curricular da área de atuação. Dele se espera a gestão do tempo, das interações sociais que se dão no decurso de sua aula, mediando os conflitos e a aprendizagem de todos os alunos.
O profissional docente precisa possuir um conjunto de características facilitadoras do trabalho que realiza. Dentre essas características vale destacar a empatia para com os estudantes, a facilidade comunicativa (visto ser o magistério uma atividade relacional), abertura para negociação e para a compreensão do outro. Isto não significa ter vocação, apesar de ela ajudar. Essas características podem ser aprendidas e desenvolvidas.
O trabalho docente é intencional e, portanto, precisa ser planejado. É de bom termo que o professor conheça sua turma e dimensione as possibilidades de cada estudante, traçando o ponto em que deverá chegar com todos eles. Assim fará o planejamento geral do percurso a ser feito com a classe, tomando o cuidado de pensar as particularidades a ser dispensada a cada aluno.
As crianças, especialmente as pequenas, são sujeitos frutos de uma história, possuem cultura e traços de sua origem social. Elas têm muito para falar e, precisamos ouvi-las. Elas trazem suas identidades biográficas (da sua família) e na escola desenvolverão suas identidades relacionais (com a participação do outro) (DUBAR, 2005).
Precisamos do outro para nos reconhecer e para sermos reconhecidos. É a identidade que nos afirma ou, que nos põe em crise. Logo, a educação infantil tem um papel preponderante na constituição das identidades das crianças que a frequentam.
O profissional docente da Educação Infantil, possui um papel fundamental na formação da identidade das crianças e, consequentemente, no seu processo de humanização. São responsáveis em lhes proporcionar a imersão nas atividades de conhecimento, da cultura e da interatividade. Acompanham e monitoram o desenvolvimento biológico, intelectual (cognitivo) e social das crianças, permitindo a elas a expressão de seus gostos, de suas opiniões, a possibilidade de dialogar com outras crianças e com os adultos, a negociação, o conflito, a solução de problemas.
Ao cuidar e educar, o professor na Educação Infantil, proporcionará às crianças a oportunidade de se constituírem como pessoas, como cidadãos de direito.
Outro aspecto a destacar diz respeito a Educação Infantil ser um campo de atuação relativamente novo. Ela veio para a educação por força de lei (a LDBEN nº 9394/1996) pois, anteriormente estava vinculada a assistência social. Assim, novamente se verifica o poder de uma ocupação sócio-prática: o desempenho de uma atividade social, no caso a Educação Infantil, sem uma significativa produção teórica capaz de clarificar as possíveis formas de trabalho com as crianças e a compreensão exigida desses diferentes modos de fazer.
Essa característica impõe ao professor de Educação Infantil uma dose elevada de responsabilidade com sua formação continuada. É evidente que essa formação continuada não deve ser vista como uma obrigação, mas sim, como nos diz Nóvoa (2007), uma necessidade dos novos tempos. Precisamos continuar aprendendo para que possamos continuar a ensinar.
Como bem enfatiza Paulo Freire (2001), antes de conjugarmos o verbo ensinar, precisamos fazê-lo com o verbo aprender. O professor aprende com os livros, com os colegas, com o coordenador, com o diretor, com os pais, com as crianças e com o seu dia a dia, isto é, com sua experiência.
Aprendemos com o nosso trabalho. Contudo, essa aprendizagem só é possível àqueles que desenvolveram a capacidade analítica. A capacidade de analisar a sua ação, desmontando-a, observando-a, explicando, questionando e a posicionando ao lado dos referentes teóricos produzidos para explicar práticas semelhantes. Esse é o exercício da reflexão, segundo Roldão (2007), possibilita ao professor ter a devida clareza do “saber fazer”, do “saber como fazer” e do “saber porquê faz”.
Outro aspecto importante a considerar na Educação Infantil é a distribuição do trabalho com as crianças ao longo do dia. O planejamento desse trabalho diário é denominado por “linha do tempo” e comporta o conjunto de atividades a desenvolver com as crianças a medida que o dia avança. Deve ser uma programação que contemple uma rotina, necessária para que as crianças se habituem e sintam-se seguras, mas deve também proporcionar novidades.
É evidente que as novidades não devem ser planejadas de modo preponderante, isto é, tomarem conta de quase todo o tempo disponível. Mas, elas precisam estar presentes a cada dia e serem “novidades”. Caso contrário, cairão na rotina.
A linha do tempo, além das praticas alimentares e de higiene, necessitam conter as atividades educacionais, culturais e lúdicas. Não devemos esquecer do descanso. Contudo, é preciso saber que as crianças são seres humanos únicos. Tem personalidade, possuem identidade, gostos. São heterogêneas em todos esses aspectos e, logo também nas suas necessidades biológicas. Assim, nem todas precisam da mesma quantidade de sono. As crianças do berçário podem dormir mais que as maiores, o que nos coloca a necessidade de planejarmos “linhas de tempo” diferentes para cada agrupamento.
Enquanto a criança convive com as outras, com os adultos da creche, com suas professoras ou professores e consigo mesmas, o professor(a) desenvolve o seu trabalho. Esse trabalho, como vimos, deve ser planejado levando em conta a idade das crianças, seu grau de desenvolvimento biológico e cognitivo e suas necessidades sociais.
O conteúdo do trabalho pedagógico do professor deve assegurar, via mediação, as aprendizagens das crianças, a estimulação do desenvolvimento biológico, emocional, social e cultural. Elas devem vivenciar todas as formas de linguagens – corporal, oral, gestual, teatral, escrita – dentro de suas possibilidades.
Especial atenção deve ser dada para as atividades lúdicas. Ao brincar a criança simula e experimenta as diferentes práticas sociais que observa e é submetida. O brincar potencializa o desenvolvimento social, emocional, cognitivo, e de certo modo, o biológico. Portanto, as brincadeiras devem ser planejadas pelo professor e devidamente acompanhadas quando do seu desenvolvimento.
O trabalho docente exige do professor a construção de registros. Esses registros podem ser de diferentes formas, tendo o diário de classe como um bom exemplo. Esse diário, como o próprio nome indica, deve ser construído diariamente a partir das diversas observações que o professor(a) realiza das crianças de sua turma. Seus comportamentos, como estão se desenvolvendo biologicamente, social e afetivamente. Como estão aprendendo.
Vale ressaltar o cuidado a ser tomado para não registrarmos aquilo que a criança não sabe, suas dificuldades, limitações. Um bom registro conta sobre os progressos, conquistas, autonomias. A professora e o professor, por principio, deve valorizar as potencialidades das crianças, dos estudantes, sua capacidade de aprender.
O diário do professor(a) deve conter observações sobre o seu próprio trabalho. Como desenvolveu com as crianças determinada atividade. Se elas se empolgaram, se participaram, se aprenderam, se os objetivos foram atingidos e como você se sentiu no decorrer do trabalho.
Essas observações devem ser feitas no final do dia,  ou até no outro dia. É um olhar de observador externo, atento as nuances do desenvolvimento da atividade pedagógica, que após um determinado tempo da atividade realizada, se pôs a examiná-la. Essa prática, favorece o exercício da reflexão sobre o nosso trabalho. Mobilizamos conhecimentos para explicar a nós mesmos a opção de ação. É possível, a partir desse exercício, tomarmos consciência de nosso trabalho, verificando se possui a qualidade que desejamos ver a ele atribuída.
Referencias bibliográfica:
DUBAR, Claude. A socialização: Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
GATTI, Bernardete. Os professores e suas identidades: O desenvolvimento da heterogeneidade. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, nº 98, p. 85-90, ago, 1996.
MELLOUKI, M’hammed and GAUTHIER, Clemont. O professor e seu mandato de mediador, herdeiro, interprete e crítico. Educação e Sociedade, Ago, 2004, v. 25, nº 87, p. 537-571.
NÓVOA, António. Professores: Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.
ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: Natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, jan/abr, 2007.
ROLDÃO, Maria do Céu. Profissionalidade docente em análise: Especificidades do ensino superior e não superior.  Nuances: Estudos sobre educação. Ano XI, v. 12, n. 13, jan/dez, 2005, p. 105-126.