Cristovam da S. Alves
Ms em Educação pela PUC/SP e doutorando no Programa Pós Graduado em Psicologia da Educação na PUC/SP.
27/08/2010
O conceito de profissão refere a uma determinada ocupação cujo desempenho está restrito a um grupo social específico. Caracteriza-se pela prestação de um serviço que requer um corpo de saberes e uma especificidade de ação que apenas esse grupo social possui.
A profissão está relacionada diretamente a figura do profissional. O profissional é o sujeito que se submeteu a um processo de formação, geralmente no Ensino Superior. Que possui um diploma (autorização formal para o exercício da atividade) e detém um mandato (autorização social para o desempenho de suas funções) (MELLOUKI e GAUTHIER, 2004). Este profissional está credenciado pelo diploma e pelo mandato a desempenhar um conjunto de atividades, relacionadas com uma determinada função necessária para a vida social.
O médico, o engenheiro, o dentista e o advogado são exemplo de profissionais visto a medicina, engenharia, odontologia e advocacia serem profissões reconhecidas socialmente e cujo desempenho está restrito aos sujeitos devidamente autorizados. Contudo, não são todas as ocupações que conquistaram socialmente a qualificação de profissão. Esse processo, requer às vezes, um árduo caminho.
O magistério é uma ocupação moderna (porque surgiu como ocupação formal em meados do século XVIII) e portanto, está vivendo o processo social de transformação em profissão. Ora se aproxima desse estatuto, ora se afasta. Segundo alguns estudiosos, o magistério é uma semiprofissão.
Quais seriam as razões para essa classificação do magistério no campo da socialização das profissões?
O trabalho da professora e do professor é tido pela população, em geral (senso comum), como um trabalho que qualquer um pode fazer. Segundo Roldão (2005), na crendice popular, para saber ensinar, basta ter o conhecimento e conseguir controlar os alunos.
Quando uma ocupação pode ser desempenhada por qualquer um, logo, carece de reconhecimento social. Sem reconhecimento, seu desempenho é desvalorizado. Esta é uma das razões da falta de prestigio da profissão docente.
Outro aspecto que enfraquece a docência como profissão é o fato de ser uma ocupação sócio-prática, isto é, uma profissão em que a prática veio antes da produção de conhecimentos sobre ela. Para o senso comum, o professor é um prático. Não precisa de saberes específicos para desempenhar o seu trabalho. Para agravar a situação, nem os professores tem clareza dos saberes específicos necessários ao desempenho de seu trabalho.
Contribui ainda nesse cenário, a heterogeneidade do professorado (GATTI, 1996). Os professores são heterogêneos quanto ao nível de atuação, formação, origem social, domínio cultural, crenças e perspectivas de carreira. Se não bastassem esses aspectos, a maioria esmagadora trabalha para o Estado. São funcionários. O Estado é um patrão controlador e burocrático por princípio. Esse quadro de controle do Estado sobre a educação diminui a autonomia e o poder do professor.
Sem clareza nos saberes que usa para desempenhar o seu trabalho, com pouca autonomia e pouco poder para decidir sobre o conteúdo e a forma daquilo que faz, o resultado é a desvalorização.
Como mudar o rumo das coisas?
Para António Nóvoa (2009) existem boas perspectivas para, no decurso de um tempo não tão longo, alterar os rumos dessa história. Entre suas premonições, vale destacar:
· Trazer a formação dos professores para dentro da profissão – isto significa aproveitar professores bem sucedido como colaboradores da formação inicial dos futuros docentes. Implica em discutir casos de ensino na formação, incluindo os futuros professores na realidade das escolas em que atuarão.
· A profissão docente deve pensar novos modos de organização – o professor precisa deixar o isolamento no qual desenvolve o seu trabalho. Uma nova colegialidade deve ser constituída. Segundo Roldão (2005), pouca serventia tem para a profissão o isolamento no interior da sala de aula. Estar fechado para o público antes de ser uma forma de proteção, pode sim, significar um isolamento em que o trabalho deixa de ser compartilhado, discutido, analisado e divulgado
· Desenvolver a dimensão pessoal e pública da profissão – o professor precisa se comunicar com a sociedade e assumir o discurso sobre educação, inclusive o discurso político. É preciso ainda prestar conta do que faz, deixar o trabalho docente mais transparente.
· Centrar a escola no processo de aprendizagem – isso significa levar a escola e o trabalho docente para a sua finalidade primeira, qual seja, retomar o binômio ensino e aprendizagem, retirando da escola e dos ombros dos professores as obrigações sociais.
Incluo aos apontamentos de António Nóvoa a responsabilidade que o professor deve ter para com sua própria valorização. O professor não pode assumir o discurso da desvalorização de sua ocupação, como se fosse vergonhosa a opção profissional que fez. O professor é sim, um profissional necessário e, se assim não o fosse, como explicar pertencer a uma das maiores categorias profissionais? Por que o professor ocupa atualmente o centro do debate sobre possibilidade de alteração das perspectivas sociais dos diferentes países?
A valorização da profissão docente passa pelos professores. O exercício dessa profissão exige sim sólidos conhecimentos. O professor deve dominar os conhecimentos científicos da área ou disciplina que ensina. Ele precisa ter o conhecimento pedagógico do conteúdo e o curricular da área de atuação. Dele se espera a gestão do tempo, das interações sociais que se dão no decurso de sua aula, mediando os conflitos e a aprendizagem de todos os alunos.
O profissional docente precisa possuir um conjunto de características facilitadoras do trabalho que realiza. Dentre essas características vale destacar a empatia para com os estudantes, a facilidade comunicativa (visto ser o magistério uma atividade relacional), abertura para negociação e para a compreensão do outro. Isto não significa ter vocação, apesar de ela ajudar. Essas características podem ser aprendidas e desenvolvidas.
O trabalho docente é intencional e, portanto, precisa ser planejado. É de bom termo que o professor conheça sua turma e dimensione as possibilidades de cada estudante, traçando o ponto em que deverá chegar com todos eles. Assim fará o planejamento geral do percurso a ser feito com a classe, tomando o cuidado de pensar as particularidades a ser dispensada a cada aluno.
As crianças, especialmente as pequenas, são sujeitos frutos de uma história, possuem cultura e traços de sua origem social. Elas têm muito para falar e, precisamos ouvi-las. Elas trazem suas identidades biográficas (da sua família) e na escola desenvolverão suas identidades relacionais (com a participação do outro) (DUBAR, 2005).
Precisamos do outro para nos reconhecer e para sermos reconhecidos. É a identidade que nos afirma ou, que nos põe em crise. Logo, a educação infantil tem um papel preponderante na constituição das identidades das crianças que a frequentam.
O profissional docente da Educação Infantil, possui um papel fundamental na formação da identidade das crianças e, consequentemente, no seu processo de humanização. São responsáveis em lhes proporcionar a imersão nas atividades de conhecimento, da cultura e da interatividade. Acompanham e monitoram o desenvolvimento biológico, intelectual (cognitivo) e social das crianças, permitindo a elas a expressão de seus gostos, de suas opiniões, a possibilidade de dialogar com outras crianças e com os adultos, a negociação, o conflito, a solução de problemas.
Ao cuidar e educar, o professor na Educação Infantil, proporcionará às crianças a oportunidade de se constituírem como pessoas, como cidadãos de direito.
Outro aspecto a destacar diz respeito a Educação Infantil ser um campo de atuação relativamente novo. Ela veio para a educação por força de lei (a LDBEN nº 9394/1996) pois, anteriormente estava vinculada a assistência social. Assim, novamente se verifica o poder de uma ocupação sócio-prática: o desempenho de uma atividade social, no caso a Educação Infantil, sem uma significativa produção teórica capaz de clarificar as possíveis formas de trabalho com as crianças e a compreensão exigida desses diferentes modos de fazer.
Essa característica impõe ao professor de Educação Infantil uma dose elevada de responsabilidade com sua formação continuada. É evidente que essa formação continuada não deve ser vista como uma obrigação, mas sim, como nos diz Nóvoa (2007), uma necessidade dos novos tempos. Precisamos continuar aprendendo para que possamos continuar a ensinar.
Como bem enfatiza Paulo Freire (2001), antes de conjugarmos o verbo ensinar, precisamos fazê-lo com o verbo aprender. O professor aprende com os livros, com os colegas, com o coordenador, com o diretor, com os pais, com as crianças e com o seu dia a dia, isto é, com sua experiência.
Aprendemos com o nosso trabalho. Contudo, essa aprendizagem só é possível àqueles que desenvolveram a capacidade analítica. A capacidade de analisar a sua ação, desmontando-a, observando-a, explicando, questionando e a posicionando ao lado dos referentes teóricos produzidos para explicar práticas semelhantes. Esse é o exercício da reflexão, segundo Roldão (2007), possibilita ao professor ter a devida clareza do “saber fazer”, do “saber como fazer” e do “saber porquê faz”.
Outro aspecto importante a considerar na Educação Infantil é a distribuição do trabalho com as crianças ao longo do dia. O planejamento desse trabalho diário é denominado por “linha do tempo” e comporta o conjunto de atividades a desenvolver com as crianças a medida que o dia avança. Deve ser uma programação que contemple uma rotina, necessária para que as crianças se habituem e sintam-se seguras, mas deve também proporcionar novidades.
É evidente que as novidades não devem ser planejadas de modo preponderante, isto é, tomarem conta de quase todo o tempo disponível. Mas, elas precisam estar presentes a cada dia e serem “novidades”. Caso contrário, cairão na rotina.
A linha do tempo, além das praticas alimentares e de higiene, necessitam conter as atividades educacionais, culturais e lúdicas. Não devemos esquecer do descanso. Contudo, é preciso saber que as crianças são seres humanos únicos. Tem personalidade, possuem identidade, gostos. São heterogêneas em todos esses aspectos e, logo também nas suas necessidades biológicas. Assim, nem todas precisam da mesma quantidade de sono. As crianças do berçário podem dormir mais que as maiores, o que nos coloca a necessidade de planejarmos “linhas de tempo” diferentes para cada agrupamento.
Enquanto a criança convive com as outras, com os adultos da creche, com suas professoras ou professores e consigo mesmas, o professor(a) desenvolve o seu trabalho. Esse trabalho, como vimos, deve ser planejado levando em conta a idade das crianças, seu grau de desenvolvimento biológico e cognitivo e suas necessidades sociais.
O conteúdo do trabalho pedagógico do professor deve assegurar, via mediação, as aprendizagens das crianças, a estimulação do desenvolvimento biológico, emocional, social e cultural. Elas devem vivenciar todas as formas de linguagens – corporal, oral, gestual, teatral, escrita – dentro de suas possibilidades.
Especial atenção deve ser dada para as atividades lúdicas. Ao brincar a criança simula e experimenta as diferentes práticas sociais que observa e é submetida. O brincar potencializa o desenvolvimento social, emocional, cognitivo, e de certo modo, o biológico. Portanto, as brincadeiras devem ser planejadas pelo professor e devidamente acompanhadas quando do seu desenvolvimento.
O trabalho docente exige do professor a construção de registros. Esses registros podem ser de diferentes formas, tendo o diário de classe como um bom exemplo. Esse diário, como o próprio nome indica, deve ser construído diariamente a partir das diversas observações que o professor(a) realiza das crianças de sua turma. Seus comportamentos, como estão se desenvolvendo biologicamente, social e afetivamente. Como estão aprendendo.
Vale ressaltar o cuidado a ser tomado para não registrarmos aquilo que a criança não sabe, suas dificuldades, limitações. Um bom registro conta sobre os progressos, conquistas, autonomias. A professora e o professor, por principio, deve valorizar as potencialidades das crianças, dos estudantes, sua capacidade de aprender.
O diário do professor(a) deve conter observações sobre o seu próprio trabalho. Como desenvolveu com as crianças determinada atividade. Se elas se empolgaram, se participaram, se aprenderam, se os objetivos foram atingidos e como você se sentiu no decorrer do trabalho.
Essas observações devem ser feitas no final do dia, ou até no outro dia. É um olhar de observador externo, atento as nuances do desenvolvimento da atividade pedagógica, que após um determinado tempo da atividade realizada, se pôs a examiná-la. Essa prática, favorece o exercício da reflexão sobre o nosso trabalho. Mobilizamos conhecimentos para explicar a nós mesmos a opção de ação. É possível, a partir desse exercício, tomarmos consciência de nosso trabalho, verificando se possui a qualidade que desejamos ver a ele atribuída.
Referencias bibliográfica:
DUBAR, Claude. A socialização: Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
GATTI, Bernardete. Os professores e suas identidades: O desenvolvimento da heterogeneidade. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, nº 98, p. 85-90, ago, 1996.
MELLOUKI, M’hammed and GAUTHIER, Clemont. O professor e seu mandato de mediador, herdeiro, interprete e crítico. Educação e Sociedade, Ago, 2004, v. 25, nº 87, p. 537-571.
NÓVOA, António. Professores: Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.
ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: Natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, jan/abr, 2007.
ROLDÃO, Maria do Céu. Profissionalidade docente em análise: Especificidades do ensino superior e não superior. Nuances: Estudos sobre educação. Ano XI, v. 12, n. 13, jan/dez, 2005, p. 105-126.
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